Intervenção do Vereador Rui Gusmão Eleito Pelo PS, na sessão solene
ocorrida no Cine-Teatro em Viana do Alentejo a 25 de Abril de 2008
"Senhoras e senhores:
MUITO BOM DIA
Tomei a liberdade saudar os presentes deste modo informal,
porque celebrar o 25 de Abril é celebrar a liberdade que me permite tratá-los a todos por igual.
Viva o 25 de Abril, viva a liberdade!
O 25 de Abril de 1974 é sinónimo de Revolução dos Cravos que nos libertou de uma ditadura Fascista/Salazarista, que oprimiu e reprimiu Portugal durante 48 anos.
Para aqueles que têm memória daquele tempo (eu tenho) e, para os outros que já ouviram falar da ditadura, permitam-me recordar esse tempo – o tempo do Portugal do Estado Novo, liderado por Marcelo Caetano e Américo Tomás.
- Era o Portugal “orgulhosamente só”, isolado do mundo, descredibilizado internacionalmente, devido a uma guerra colonial opressora de outros povos.
- Era o Portugal triste que via partir os seus jovens para uma guerra injusta que ia ceifando a vida de alguns desses jovens que deixavam em situações muito dramática jovens viuvas, filhos órfãos e famílias enlutadas. Dos que regressaram, havia quem viesse ileso, outros com mazelas visíveis e, outros ainda, fisicamente ilesos, mas com traumas de guerra – muitos destes ainda hoje andam à procura de um rumo para a sua vida.
- Era o Portugal sub-desenvolvido, sem esquemas de protecção social.
- Era o Portugal da caridadesinha, da esmola aos pobres, da solidariedade entre os mais necessitados. Não havia Lares da 3ª Idade, os idosos ficavam em casa e através dos filhos ou da boa-vontade e boas relações de vizinhança lá iam sobrevivendo em casa. Normalmente doentes e em fase terminal, eram acolhidos no Hospital da Misericórdia, aguardando aí o fim dos seus dias. Não havia Centros de Saúde, havia o Dr. Garrido (grande homem da oposição ao regime e que por isso nunca chegou a ser Delegado de Saúde) sempre pronto a ir a casa dos doentes, quando não podiam deslocar-se ao seu consultório,
o Dr. Pinheiro médico da Caixa e a irmã Maria das Neves que mesmo
sem ter curso nenhum de enfermagem estava sempre disponível
como parteira e enfermeira. Um sem número de Vianenses, ainda hoje, recorda com orgulho terem vindo ao mundo com a ajuda desta Irmã.
- Jardins-de-infância, *(não foi dito na intervenção mas é de toda
a justiça dizer que a Creche desempenhava estas funções) eram uma miragem, as escolas eram poucas e liceus e escolas industriais
só nas sedes de distrito. Universidades só em Lisboa, Coimbra e Porto.
- Havia uma elevada taxa de analfabetismo, mão-de-obra barata e sem qualificações que era explorada por latifundiários e capitalistas – quem não se lembra do Jorge de Brito e do Jorge de Melo?
- Era o Portugal dos três Fs Fátima, Futebol e Fado
- Era o Portugal da União Nacional e da PIDE/DGS repressora dos velhos republicanos, dos comunistas, dos socialistas, dos liberais ou daqueles que se atreviam a pensar e questionar algumas injustiças. Quem não era pela União Nacional era contra a União Nacional.
A propósito da PIDE permitam-me evocar um episódio que ocorreu neste local onde estamos a celebrar o 25 de Abril, quando o senhor Tomás do Espírito Santo Baião(Zico) era proprietário do Cine-Teatro
de Viana do Alentejo.
Este episódio foi-me contado na primeira pessoa pelo Xico Zé Baião, pelo Luís Branco(Bife) e pelo Pacheco que a vivenciaram.
Apesar de repressora a “velha senhora” condescendia que as hostes oposicionistas se reunissem por ocasião das comemorações
no 5 de Outubro e 31 de Janeiro. Estas comemorações ficavam bem
ao Estado Novo que até dava um ar de democrata e podiam afirmar
“eles até se reunem “.
Num desses jantares do 5 de Outubro, o Xico Zé conhece o Zeca Afonso, o Carlos Moniz, a Maria do Amparo e o Zé Jorge Letria que tinham sido trazidos pelo Francisco Pinto de Sá, de Montemor, de quem eram grandes amigos.
Não há dúvida que a música de intervenção esteve sempre ligada
à resistência e não é por acaso que as canções “E Depois do Adeus”
e “Grândola, Vila Morena” entre outras simbolizam o 25 de Abril.
Aproveitando esta oportunidade e tendo em conta que o Cine-Teatro
de Viana pertencia à sua família, o Xico Zé pensa em organizar
um espectáculo de “Canto Livre” com o Zeca e acompanhantes daquela noite e ainda com o Grupo Coral dos Vindimadores da Vidigueira liderado por Manuel João Mansos. É constituída uma comissão organizadora com o António Murteira (mais tarde funcionário
e deputado do PCP na Assembleia da República), o Luís Branco (Bife)
um jovem empregado de escritório e pelo Xico Zé, um estudante liceal
de 16 anos.
A sessão ficou agendada para 3 de Março de 1973 – sábado, sempre com a ideia de que tal evento nunca chegaria a ser realizado porque
nem sequer iriam obter as necessárias autorizações, cuja licença teria
que ser dada pela Câmara. Coube ao Luís, encarregar-se de tratar
deste assunto e por incrível que pareça o espectáculo foi autorizado.
Feliz coincidência a do chefe de secretaria que por inerência
era o delegado da Direcção de Serviços de Espectáculos estar de férias
e o substituto o António Duarte, desconhecia da interdição a que estavam sujeitos aquele naipe de artistas – este descuido ia-lhe custando o emprego.
Os prospectos de divulgação, elaborados na Tipografia Diana, são titulados de “espectáculo de variedades” e conseguiram meia dúzia
de linhas, sobre o evento, no Diário de Lisboa e na República. Organizaram uma excursão Évora – Viana ao preço de 20$00 que incluía o bilhete para o espectáculo e alugaram uma camioneta nos Belos. O bilhete para a entrada custava 10$00.
É claro que a “velha senhora” não estava a dormir e por esta altura
já o Andrade tinha sido obrigado a interromper as férias e a dois dias
do evento com a lotação quase esgotada manda chamar o Luís
para o avisar que o espectáculo não estava autorizado, que faltava um documento com o nome das músicas e outro que identificasse os organizadores, uma vez que não dependia dele, mas de “instâncias superiores”. É claro que na véspera das “variedades” os referidos documentos são entregues e é lógico que canções como “Menina
dos Olhos Tristes”, “A Morte Saiu à Rua”, “Os Vampiros” ou “O Tango dos Pequenos Burgueses” não figuravam no rol de canções. Este era um verdadeiro exercício de auto-censura, comum naquela altura entre os resistentes.
Chega sábado e a pacata vila de Viana começa a encher-se de gente,
a Praça da República com gente estranha guedelhudos, de mochila às costas e, à medida que se aproxima a hora do espectáculo as imediações do Cine-Teatro iam-se enchendo com esta gente.
Os organizadores suspensos da decisão de autorização do “espectáculo” pois o Andrade estava incontactável e morava em Évora
e mesmo a intermediação do Presidente da Câmara José Carlos Guerreiro Duarte resulta infrutífera. Ainda hoje, os organizadores desconhecem se a sessão foi ou não autorizada pelas “instâncias superiores”.
Sabiam que a GNR tinha recebido reforços de Évora e de localidades vizinhas que entretanto controlavam as entradas e saídas da Vila,
na tentativa frustrada de barrar a entrada do carro onde vinha o Zeca.
A excursão organizada que trazia a estudantada de Évora é confundida com a camioneta da carreira regular dos “belos” e consegue passar despercebida.
A PIDE também já cá estava, já tinha sido identificado o conhecido VW 1200 esverdeado de matrícula FE-52-24.Sentia-se a tensão a crescer e em frente do Cinema aguardando o início do espectáculo aglomerava-se muita gente o que já por si era um acto de resistência. O inspector Melo e seus agentes posicionaram-se em frente ao Cine-Teatro e começam aos berros mandando dispersar a multidão porque eram proibidos ajuntamentos na via pública. Entre a multidão um jovem tocava flauta
e o pide irado com tal afronta, arrancou-lha das mãos e espezinhou-a violentamente. Era um homem gordo de pistola em punho aos pulos em cima da inocente e indefesa flauta. Descontrolado dispara um ou dois tiros para o ar e o povo acaba por dispersar e não houve “espectáculo”, acabando os organizadores a noite detidos no posto da GNR, para interrogatório.
Este episódio não é inventado e chega mesmo a ser mencionado por Adriano Correia de Oliveira, conforme vem documentado neste livro (fascículo 6 da colectânea de Adriano Correia de Oliveira, publicada pelo jornal Público).
Mais tarde, em Outubro de 1973, nesta mesma casa, realiza-se um comício do MDP/CDE .
Quando se dá o 25 de Abril de 1974 esta casa de espectáculos, que sempre esteve ao serviço do povo, e ligada à resistência ao antigo regime, encontra-se encerrada, porque o tenebroso cabo Mendes tinha instaurado um processo ao Zico, por este ter dado início a uma sessão de cinema com 5 minutos de atraso.
O 25 de Abril ou Revolução dos Cravos liderada pelos jovens Capitães
de Abril permitiu cumprir 3 objectivos:
1. Acabou com uma ditadura de 48 anos e abriu portas à democracia pluralista;
2. Acabou com a Guerra Colonial e permitiu a independência da Guiné-Bissau, de Angola, de Moçambique, de Cabo-Verde
3. Permitiu o desenvolvimento de Portugal, o seu prestígio como nação que culminou com a sua entrada na Comunidade Europeia, transformando-se no Portugal moderno que muito nos orgulha.
É verdade que hoje em dia, com a globalização a crise económica mundial e a emergência económica de países como a China,
o desaparecimento da União Soviética e o previsto colapso de modelo social – não é por acaso que os países do ex-Pacto de Varsóvia aderiram ou estão a aderir à União Europeia – a Europa enfrenta um novo desafio e assiste-se ao fim do estado providência com, algumas conquistas
de Abril a serem postas em causa.
Daí o apelo à consciência de cidadania, ao contributo que cada um
pode dar. Para ultrapassar esta crise é preciso que cada um de nós cumpra
o seu dever.
E para cumprir esse dever não podemos estar à só à espera do que é que o Estado pode fazer por nós, é preciso que cada um de nós pense de que modo pode intervir para que Portugal prospere.
Viva o 25 de Abril"
6 comentários:
esta casa esteve ao serviço do povo? de certeza? então se assim é, que sentido faz a placa que está na entrada do cine-teatro?
que diz: DEVOLVER AO POVO O QUE NUNCA LHE PERTENCEU"????
eu que já não sou do tempo do 24 de abrl, fiquei com a impressão que esta casa era posse de pessoas do regime de então e que agora teria sido posta ao serviço do povo.
Em que ficamos?
Sabes no que ficamos ? Ficamos a levar por tabela por causa dos desentendimentos e caprichos entre ex-segurança da discoteca e ex-patrões antigos donos do espaço em causa... Essa é que é essa !!!
O nome pode ser "Cinema eXXX". Uma versão alentejana do Cinema Paraíso, com muitos figurantes de Viana Todo o Sol do Alentejo. Todos da ex-Viana do Alentejo, claro. O herói é o ex-segurança da ex-discoteca e os papéis secundários são dos ex-patrões do dito ex, ex-donos da dita ex. O enredo pode muito bem basear-se em "desentendimentos e caprichos", que nesta coisa de folhetins, desde que as figuras se mexam. A "levar por tabela" terá que ser obviamente a figuração, que as estrelas por definição são intocáveis e os papéis secundários ainda se agarram à esperança de ganhar um óscar.
Só não estou a ver onde coloco o candidato do PS, a fazer um panegírico rasgado aos exs, na ex, na presença do ex.
Será que ele também quer entrar no filme?
Não era segurança, era empregado de bar, segurança era o amigo Matias.
E percebo muitíssimo bem do que é que o candidato do PS está a falar.
Assinado:
Um dos muitos, e cheios de saudades, ex clientes.
Sinceramente “não entendo” alguns dos comentários que falam em disputas entre os ex-proprietários e os “novos donos” do Cine-Teatro. Ao desviarmos a nossa atenção do essencial, estamos a desvalorizar a nossa história de resistência ao “estado novo” que, com contributos modestos mas acumulados a outras resistências que iam acontecendo por esse país fora e pelo mundo possibilitou a revolução dos cravos.
O texto bem elaborado do vereador Rui Gusmão, no essencial recorda aos mais velhos e dá a conhecer aos mais jovens, nas comemorações da revolução de 25 de Abril, um acontecimento histórico que decorreu em 1973 no mesmo local em que estão a decorrer as comemorações dos 35 anos do 25 de Abril – O Cine-Teatro.
Para aqueles que pensavam que o vereador Rui Gusmão ia ser “engolido” pelos discursos dos seus adversários políticos foi a decepção. Eu estive lá, ouvi o discurso do Rui Gusmão, senti a emoção de alguns e recordei.
Quando saí do Cine-Teatro foi tema de conversa o antes, durante e o depois do 25 de Abril de 1974.
Comemorar o 25 de Abril com verdade histórica e dar a conhece-lo às gerações que não o vivenciaram é um dever.
Esquecer a liberdade e outras conquistas que só foram possíveis após a “revolução dos cravos” é perigoso para a democracia.
Neste momento, quando muitos portugueses vivem confrontados com inúmeras dificuldades, particularmente os mais jovens e idosos, pode começar o caminho de regresso do “homem providencial”.
Não nos iludamos, como dizia Winston Churchill: a democracia é a pior forma de governo, excepto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos.
Apesar dessa afirmação, cabe a todos nós e principalmente aos políticos aperfeiçoá-la e torná-la melhor.
José Luís
Lamentávelmente, é assim ... Não é que a intervenção não esteja bem ou que alguns não a possam reconhecer e valorizar... No entanto, quem é de cá ou cá vive há muito tempo ou desde sempre e conhece outras situações, não consegue deixar de comentar o que podem outros por desconhecimento nem reparar e as entrelinhas e as camuflagens também existem... E alguns não resistem a traze-las a lume! E muitas vezes o que pode ter valor, parece desvalorizado em favorecimento dos abrir de olhos que alguns querem fazer sentir... E tudo tem valor, mesmo que assim não seja entendido meu caro José Luís, porque as verdades e as realidades são um todo para os simples mortais!
Joaquim
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