4.28.2008

O Vereador Rui Gusmão,
eleito pelo PS



Intervenção do Vereador Rui Gusmão Eleito Pelo PS, na sessão solene
ocorrida no Cine-Teatro em Viana do Alentejo a 25 de Abril de 2008

"Senhoras e senhores:
MUITO BOM DIA

Tomei a liberdade saudar os presentes deste modo informal,
porque celebrar o 25 de Abril é celebrar a liberdade que me permite tratá-los a todos por igual.

Viva o 25 de Abril, viva a liberdade!

O 25 de Abril de 1974 é sinónimo de Revolução dos Cravos que nos libertou de uma ditadura Fascista/Salazarista, que oprimiu e reprimiu Portugal durante 48 anos.

Para aqueles que têm memória daquele tempo (eu tenho) e, para os outros que já ouviram falar da ditadura, permitam-me recordar esse tempo – o tempo do Portugal do Estado Novo, liderado por Marcelo Caetano e Américo Tomás.

- Era o Portugal “orgulhosamente só”, isolado do mundo, descredibilizado internacionalmente, devido a uma guerra colonial opressora de outros povos.

- Era o Portugal triste que via partir os seus jovens para uma guerra injusta que ia ceifando a vida de alguns desses jovens que deixavam em situações muito dramática jovens viuvas, filhos órfãos e famílias enlutadas. Dos que regressaram, havia quem viesse ileso, outros com mazelas visíveis e, outros ainda, fisicamente ilesos, mas com traumas de guerra – muitos destes ainda hoje andam à procura de um rumo para a sua vida.

- Era o Portugal sub-desenvolvido, sem esquemas de protecção social.

- Era o Portugal da caridadesinha, da esmola aos pobres, da solidariedade entre os mais necessitados. Não havia Lares da 3ª Idade, os idosos ficavam em casa e através dos filhos ou da boa-vontade e boas relações de vizinhança lá iam sobrevivendo em casa. Normalmente doentes e em fase terminal, eram acolhidos no Hospital da Misericórdia, aguardando aí o fim dos seus dias. Não havia Centros de Saúde, havia o Dr. Garrido (grande homem da oposição ao regime e que por isso nunca chegou a ser Delegado de Saúde) sempre pronto a ir a casa dos doentes, quando não podiam deslocar-se ao seu consultório,
o Dr. Pinheiro médico da Caixa e a irmã Maria das Neves que mesmo
sem ter curso nenhum de enfermagem estava sempre disponível
como parteira e enfermeira. Um sem número de Vianenses, ainda hoje, recorda com orgulho terem vindo ao mundo com a ajuda desta Irmã.

- Jardins-de-infância, *(não foi dito na intervenção mas é de toda
a justiça dizer que a Creche desempenhava estas funções) eram uma miragem, as escolas eram poucas e liceus e escolas industriais
só nas sedes de distrito. Universidades só em Lisboa, Coimbra e Porto.

- Havia uma elevada taxa de analfabetismo, mão-de-obra barata e sem qualificações que era explorada por latifundiários e capitalistas – quem não se lembra do Jorge de Brito e do Jorge de Melo?

- Era o Portugal dos três Fs Fátima, Futebol e Fado

- Era o Portugal da União Nacional e da PIDE/DGS repressora dos velhos republicanos, dos comunistas, dos socialistas, dos liberais ou daqueles que se atreviam a pensar e questionar algumas injustiças. Quem não era pela União Nacional era contra a União Nacional.

A propósito da PIDE permitam-me evocar um episódio que ocorreu neste local onde estamos a celebrar o 25 de Abril, quando o senhor Tomás do Espírito Santo Baião(Zico) era proprietário do Cine-Teatro
de Viana do Alentejo.

Este episódio foi-me contado na primeira pessoa pelo Xico Zé Baião, pelo Luís Branco(Bife) e pelo Pacheco que a vivenciaram.

Apesar de repressora a “velha senhora” condescendia que as hostes oposicionistas se reunissem por ocasião das comemorações
no 5 de Outubro e 31 de Janeiro. Estas comemorações ficavam bem
ao Estado Novo que até dava um ar de democrata e podiam afirmar
“eles até se reunem “.

Num desses jantares do 5 de Outubro, o Xico Zé conhece o Zeca Afonso, o Carlos Moniz, a Maria do Amparo e o Zé Jorge Letria que tinham sido trazidos pelo Francisco Pinto de Sá, de Montemor, de quem eram grandes amigos.

Não há dúvida que a música de intervenção esteve sempre ligada
à resistência e não é por acaso que as canções “E Depois do Adeus”
e “Grândola, Vila Morena” entre outras simbolizam o 25 de Abril.

Aproveitando esta oportunidade e tendo em conta que o Cine-Teatro
de Viana pertencia à sua família, o Xico Zé pensa em organizar
um espectáculo de “Canto Livre” com o Zeca e acompanhantes daquela noite e ainda com o Grupo Coral dos Vindimadores da Vidigueira liderado por Manuel João Mansos. É constituída uma comissão organizadora com o António Murteira (mais tarde funcionário
e deputado do PCP na Assembleia da República), o Luís Branco (Bife)
um jovem empregado de escritório e pelo Xico Zé, um estudante liceal
de 16 anos.

A sessão ficou agendada para 3 de Março de 1973 – sábado, sempre com a ideia de que tal evento nunca chegaria a ser realizado porque
nem sequer iriam obter as necessárias autorizações, cuja licença teria
que ser dada pela Câmara. Coube ao Luís, encarregar-se de tratar
deste assunto e por incrível que pareça o espectáculo foi autorizado.
Feliz coincidência a do chefe de secretaria que por inerência
era o delegado da Direcção de Serviços de Espectáculos estar de férias
e o substituto o António Duarte, desconhecia da interdição a que estavam sujeitos aquele naipe de artistas – este descuido ia-lhe custando o emprego.

Os prospectos de divulgação, elaborados na Tipografia Diana, são titulados de “espectáculo de variedades” e conseguiram meia dúzia
de linhas, sobre o evento, no Diário de Lisboa e na República. Organizaram uma excursão Évora – Viana ao preço de 20$00 que incluía o bilhete para o espectáculo e alugaram uma camioneta nos Belos. O bilhete para a entrada custava 10$00.

É claro que a “velha senhora” não estava a dormir e por esta altura
já o Andrade tinha sido obrigado a interromper as férias e a dois dias
do evento com a lotação quase esgotada manda chamar o Luís
para o avisar que o espectáculo não estava autorizado, que faltava um documento com o nome das músicas e outro que identificasse os organizadores, uma vez que não dependia dele, mas de “instâncias superiores”. É claro que na véspera das “variedades” os referidos documentos são entregues e é lógico que canções como “Menina
dos Olhos Tristes”, “A Morte Saiu à Rua”, “Os Vampiros” ou “O Tango dos Pequenos Burgueses” não figuravam no rol de canções. Este era um verdadeiro exercício de auto-censura, comum naquela altura entre os resistentes.

Chega sábado e a pacata vila de Viana começa a encher-se de gente,
a Praça da República com gente estranha guedelhudos, de mochila às costas e, à medida que se aproxima a hora do espectáculo as imediações do Cine-Teatro iam-se enchendo com esta gente.

Os organizadores suspensos da decisão de autorização do “espectáculo” pois o Andrade estava incontactável e morava em Évora
e mesmo a intermediação do Presidente da Câmara José Carlos Guerreiro Duarte resulta infrutífera. Ainda hoje, os organizadores desconhecem se a sessão foi ou não autorizada pelas “instâncias superiores”.

Sabiam que a GNR tinha recebido reforços de Évora e de localidades vizinhas que entretanto controlavam as entradas e saídas da Vila,
na tentativa frustrada de barrar a entrada do carro onde vinha o Zeca.
A excursão organizada que trazia a estudantada de Évora é confundida com a camioneta da carreira regular dos “belos” e consegue passar despercebida.

A PIDE também já cá estava, já tinha sido identificado o conhecido VW 1200 esverdeado de matrícula FE-52-24.Sentia-se a tensão a crescer e em frente do Cinema aguardando o início do espectáculo aglomerava-se muita gente o que já por si era um acto de resistência. O inspector Melo e seus agentes posicionaram-se em frente ao Cine-Teatro e começam aos berros mandando dispersar a multidão porque eram proibidos ajuntamentos na via pública. Entre a multidão um jovem tocava flauta
e o pide irado com tal afronta, arrancou-lha das mãos e espezinhou-a violentamente. Era um homem gordo de pistola em punho aos pulos em cima da inocente e indefesa flauta. Descontrolado dispara um ou dois tiros para o ar e o povo acaba por dispersar e não houve “espectáculo”, acabando os organizadores a noite detidos no posto da GNR, para interrogatório.

Este episódio não é inventado e chega mesmo a ser mencionado por Adriano Correia de Oliveira, conforme vem documentado neste livro (fascículo 6 da colectânea de Adriano Correia de Oliveira, publicada pelo jornal Público).

Mais tarde, em Outubro de 1973, nesta mesma casa, realiza-se um comício do MDP/CDE .

Quando se dá o 25 de Abril de 1974 esta casa de espectáculos, que sempre esteve ao serviço do povo, e ligada à resistência ao antigo regime, encontra-se encerrada, porque o tenebroso cabo Mendes tinha instaurado um processo ao Zico, por este ter dado início a uma sessão de cinema com 5 minutos de atraso.

O 25 de Abril ou Revolução dos Cravos liderada pelos jovens Capitães
de Abril permitiu cumprir 3 objectivos:

1. Acabou com uma ditadura de 48 anos e abriu portas à democracia pluralista;

2. Acabou com a Guerra Colonial e permitiu a independência da Guiné-Bissau, de Angola, de Moçambique, de Cabo-Verde

3. Permitiu o desenvolvimento de Portugal, o seu prestígio como nação que culminou com a sua entrada na Comunidade Europeia, transformando-se no Portugal moderno que muito nos orgulha.

É verdade que hoje em dia, com a globalização a crise económica mundial e a emergência económica de países como a China,
o desaparecimento da União Soviética e o previsto colapso de modelo social – não é por acaso que os países do ex-Pacto de Varsóvia aderiram ou estão a aderir à União Europeia – a Europa enfrenta um novo desafio e assiste-se ao fim do estado providência com, algumas conquistas
de Abril a serem postas em causa.

Daí o apelo à consciência de cidadania, ao contributo que cada um
pode dar. Para ultrapassar esta crise é preciso que cada um de nós cumpra
o seu dever.

E para cumprir esse dever não podemos estar à só à espera do que é que o Estado pode fazer por nós, é preciso que cada um de nós pense de que modo pode intervir para que Portugal prospere.

Viva o 25 de Abril"

@: alcacovas.blogs.sapo.com

6 comentários:

Anónimo disse...

esta casa esteve ao serviço do povo? de certeza? então se assim é, que sentido faz a placa que está na entrada do cine-teatro?
que diz: DEVOLVER AO POVO O QUE NUNCA LHE PERTENCEU"????
eu que já não sou do tempo do 24 de abrl, fiquei com a impressão que esta casa era posse de pessoas do regime de então e que agora teria sido posta ao serviço do povo.
Em que ficamos?

Anónimo disse...

Sabes no que ficamos ? Ficamos a levar por tabela por causa dos desentendimentos e caprichos entre ex-segurança da discoteca e ex-patrões antigos donos do espaço em causa... Essa é que é essa !!!

Anónimo disse...

O nome pode ser "Cinema eXXX". Uma versão alentejana do Cinema Paraíso, com muitos figurantes de Viana Todo o Sol do Alentejo. Todos da ex-Viana do Alentejo, claro. O herói é o ex-segurança da ex-discoteca e os papéis secundários são dos ex-patrões do dito ex, ex-donos da dita ex. O enredo pode muito bem basear-se em "desentendimentos e caprichos", que nesta coisa de folhetins, desde que as figuras se mexam. A "levar por tabela" terá que ser obviamente a figuração, que as estrelas por definição são intocáveis e os papéis secundários ainda se agarram à esperança de ganhar um óscar.
Só não estou a ver onde coloco o candidato do PS, a fazer um panegírico rasgado aos exs, na ex, na presença do ex.
Será que ele também quer entrar no filme?

Anónimo disse...

Não era segurança, era empregado de bar, segurança era o amigo Matias.
E percebo muitíssimo bem do que é que o candidato do PS está a falar.

Assinado:
Um dos muitos, e cheios de saudades, ex clientes.

Anónimo disse...

Sinceramente “não entendo” alguns dos comentários que falam em disputas entre os ex-proprietários e os “novos donos” do Cine-Teatro. Ao desviarmos a nossa atenção do essencial, estamos a desvalorizar a nossa história de resistência ao “estado novo” que, com contributos modestos mas acumulados a outras resistências que iam acontecendo por esse país fora e pelo mundo possibilitou a revolução dos cravos.
O texto bem elaborado do vereador Rui Gusmão, no essencial recorda aos mais velhos e dá a conhecer aos mais jovens, nas comemorações da revolução de 25 de Abril, um acontecimento histórico que decorreu em 1973 no mesmo local em que estão a decorrer as comemorações dos 35 anos do 25 de Abril – O Cine-Teatro.
Para aqueles que pensavam que o vereador Rui Gusmão ia ser “engolido” pelos discursos dos seus adversários políticos foi a decepção. Eu estive lá, ouvi o discurso do Rui Gusmão, senti a emoção de alguns e recordei.
Quando saí do Cine-Teatro foi tema de conversa o antes, durante e o depois do 25 de Abril de 1974.
Comemorar o 25 de Abril com verdade histórica e dar a conhece-lo às gerações que não o vivenciaram é um dever.
Esquecer a liberdade e outras conquistas que só foram possíveis após a “revolução dos cravos” é perigoso para a democracia.
Neste momento, quando muitos portugueses vivem confrontados com inúmeras dificuldades, particularmente os mais jovens e idosos, pode começar o caminho de regresso do “homem providencial”.
Não nos iludamos, como dizia Winston Churchill: a democracia é a pior forma de governo, excepto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos.
Apesar dessa afirmação, cabe a todos nós e principalmente aos políticos aperfeiçoá-la e torná-la melhor.

José Luís

Anónimo disse...

Lamentávelmente, é assim ... Não é que a intervenção não esteja bem ou que alguns não a possam reconhecer e valorizar... No entanto, quem é de cá ou cá vive há muito tempo ou desde sempre e conhece outras situações, não consegue deixar de comentar o que podem outros por desconhecimento nem reparar e as entrelinhas e as camuflagens também existem... E alguns não resistem a traze-las a lume! E muitas vezes o que pode ter valor, parece desvalorizado em favorecimento dos abrir de olhos que alguns querem fazer sentir... E tudo tem valor, mesmo que assim não seja entendido meu caro José Luís, porque as verdades e as realidades são um todo para os simples mortais!

Joaquim

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